Homem e natureza em Vidas Secas Tony Shigueki Nakatani Ao se tratar da relação natureza/homem em Vidas Secas, devemos levar em consideração o contexto em que o filme se passa, os anos 40, uma sociedade onde ainda predomina a população rural e o contexto dos anos 60, no qual o filme foi rodado, em que o país se encontra em processo de industrialização e urbanização, sem ao menos resolver vários de seus problemas históricos. No começo do filme, uma única árvore seca em meio a um cenário pobre nos mostra em que ambiente se desenvolverá a trama: uma terra quase estéril, praticamente sem vida. A família vaga em meio a um rio seco entre a vegetação pobre, sob um sol escaldante, até que Sinhá Vitória anuncia um abrigo. Vem a chuva. Fabiano consegue trabalho e sua família vive então um pequeno tempo de “prosperidade”. Entretanto, a chuva proporciona apenas uma vida menos miserável, não próspera. A natureza oferece pouco e mesmo que Fabiano trabalhe com aquilo que sabe fazer melhor, o que lhe é pago apenas salda a sua dívida e compra o couro para uma cama melhor. Porém terão que “gastar de menos” para dormir mais confortavelmente. Fabiano é submisso ao seu patrão, como se lhe devesse um favor em troca do abrigo. No entanto, tem a consciência de estar sendo roubado quando vai receber o seu pagamento e esboça uma indignação, mas é logo posto de volta em seu lugar: seu patrão ameaça desempregá-lo. Sem poder fazer nada, Fabiano põe a sobrevivência em primeiro lugar, pouco é melhor do que nada. Não bastasse isso, Fabiano perde todo o dinheiro no jogo e na cachaça, em uma festa na vila, ainda apanha e é encarcerado acusado de desacatar uma autoridade; nem mesmo o ambiente urbano deixa de ser hostil a ele. A chance de mudar a sua condição surge quando é convidado a entrar para o cangaço. Contudo, parece reconhecer a sua condição de vaqueiro, olha para a família e recusa. A fotografia tem um papel importante no filme. A luz estourada enfatiza o clima árido do agreste nordestino. Parece que a terra vai pegar fogo, como diz Sinhá Vitória quando a seca volta a assombrá-los. A sensação que se tem pode ser expressa pelas palavras do menino mais velho. Após levar uma repreendida da mãe ele observa o ambiente em que vive: “Inferno, lugá ruim”, diz o menino enquanto olha para a terra e os animais castigados pelo sol, anunciando novamente o tempo de estiagem. O quadro vai se deteriorando, a terra vai secando e os gados começam a morrer. Fabiano tenta exorcizar o seu medo espantando os pássaros, como se eles fossem os culpados pela crueldade da natureza, mas não faz mais do que sofrer. Com a seca o gado se vai. O ciclo se fecha e a família não vê outra alternativa senão a de fugir da seca novamente. Nesse fim acontece a morte de Baleia, uma personagem de grande relevância para a obra; tem um status de gente: ela é a primeira a ser apresentada, cuida da família não deixando ninguém ficar para trás, até mesmo os alimenta com a sua caça e quando some é a primeira a ser lembrada pelos meninos, que nem sequer perguntam pelo pai. Para enfatizar o tom humanizador de Baleia, o diretor dedica um tempo relativamente longo em sua morte; mostrando o seu sofrimento e o seu ponto de vista, quando observa a casa e os preás, antes de fechar os olhos. A família ruma para a cidade questionando se encontrarão vida melhor. Sinhá Vitória não agüenta mais viver como bicho e reprime a idéia de seus filhos serem vaqueiros quando adultos. Porém tanto ela quanto Fabiano são pessoas típicas da terra, embora castigados por ela, conhecem-na melhor do que qualquer coisa, o seu tempo e tudo o que ela pode oferecer. O que falta é oportunidade. |