Seguindo as pistas de Antonio Cândido

Célia Tolentino

 

Há um ano publiquei um livro discutindo o pensamento social brasileiro através de uma análise sobre rural no cinema nacional. A partir de então e cada vez mais os meus alunos do curso de Ciências Sociais solicitavam orientações para a realização de suas pesquisas com objetos correlatos. Ora o cinema, ora a televisão, ora a literatura ou ainda o teatro e também a música. Ou seja, as assim chamadas “manifestações de cultura” pareciam estar na ordem do dia do interesse coletivo. E foi por esta razão que propus a formação de um grupo de estudos. Seria uma forma de orientação conjunta, de debater os temas e os autores com os quais trabalhei na minha própria investigação. Entretanto, ao iniciarmos a leitura do livro O personagem de ficção, uma coletânea de textos sobre o personagem no cinema, no teatro e na literatura, uma observação de Antonio Candido sobre Fogo Morto chamou a nossa atenção. Neste texto, ao falar da verossimilhança no romance, o autor observa a importância dos diversos elementos na sua composição, ressaltando que os instrumentos de trabalho e os objetos contribuem para a composição magistral dos personagens principais desta obra de José Lins do Rego. Decidimos ler Fogo Morto para conferir tais pistas e então outras questões nos provocaram. Lá estava o agreste canavieiro com a sua decadência, as suas relações sociais de mando, rebeldia e subserviência dando concretude às nossas discussões teóricas sobre o coronelismo, sobre a construção subjetiva da consciência ou não consciência de classe, sobre a vida privada do homem pobre livre à beira do latifúndio. O narrador trazia elementos curiosos, interessantes e revoltantes sobre um tempo pregresso que muito formou a consciência nacional e ainda hoje reverbera apesar da nossa pretensa pós- modernidade.

     Os seminários passaram a retratar as leituras possíveis dos futuros sociólogos sobre a obra prima do autor de Menino de Engenho. Como a cada encontro o debate crescia e o grupo sentia-se cada vez mais provocado pela obra, decidimos construir pequenos ensaios sobre nossas impressões. É por isso que este primeiro número da nossa revista eletrônica trás o debate sobre Fogo Morto na esteira das pistas do Mestre Antonio Candido. É possível, entretanto, que algumas impropriedades tenham sido cometidas no que se refere às regras da análise de literatura. Tentamos ultrapassar do enfoque exclusivamente sociológico de usá-la como exemplo de realidades sociais mas nem sempre foi possível negar os vícios da nossa formação (para quase todos ainda em curso). Mas são exercícios. Ou seja, se amar se aprende amando, construir análises se aprende assim: fazendo. As críticas serão todas bem vindas já que estamos todos aprendendo.

 

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